O quadrado da pequena janela.
Era noite ou era sonho.
Uma luz que era música e perfume entrava pelo quadrado da janela. Clareando suavemente o quarto vazio. Onde de repente havia um menino que dormia.
A luz que era música e perfume, brisa também era.
Fazia cócegas nas cortinas e rodopiava pelo quarto sem acordar o menino.
O menino estava sonhando? Ou era o sonho que sonhava o menino?
De qualquer forma ele não acordava. O sonho prosseguia.
O quadrado era pequeno como pequena era a janela, mas não impediu a entrada da grande nave espacial e seus escudeiros robôs empunhando bandeiras.
Tantos lordes e barões e condes e sultões e príncipes slataram da nave-mãe. Que só couberam no quarto porque ele agora tinha lugar para quarenta e tantos mil.
O quarto era agora amplo e pomposo salão de baile imperial.
VIVA EU, VIVA TUDO
VIVA O RATO BARRIGUDO!
A multidão saudava o rei.
Mas, por que o chamavam de rato?
O Imperador Guindásticus Enferrujadus Primeiro e Único era uma máquina que mais parecia um enorme dinossauro.
De toda forma a multidão, coitada,não tinha saída. Era prestar reverência ao rei ou ser pulverizada.
E houve então, um fanfarrear de trombetas e o salão revelou-se muito brilhante.
Entrava a Borbopleta Azul seguida por holofotes à quatro mil flashes fotográficos.
Vestia sedas de Plutão, brincos de Marte, chinelos de Saturno e um anel de casamento todo feito de chamas solares.
Tudo presentes, tudo de acordo com a ocasião.
Mas será que ninguém reparava em seus olhos?
Ela era rainha e noiva e deveria estar contente. Mas, em seus olhos havia um brilho de tristeza.
De novo as trombetas.
As trombetas eram quadradas e nunca erravam de nota, pois eram computadores os trombeteadores.
Quadrangular era também o cetro do rei. E os enfeites nas asas da rainha.
De quatro em quatro os súditos vinham beijar o tapete onde a bela rainha havia pisado.
Era tamanha a procissão de quartetos que se estendia pela quarta dimensão adentro.
E o baile começou.
De quatro em quatro dançava-se pelos quatro cantos do salão.
O maestro marcava o ritmo quartenáriopiscando pequenas luzes coloridas, que robô dispensa batuta.
Os instrumentos também quadrangulares eram em número de quarenta ao quadrado.
Era um baile para quatrocentos séculos ininterruptos. Mas de repente, houve explosões e relâmpagos: o perverso rei tinha curto-circuito de raiva. Seus olhos eram farois vermelhos.
"Prendam-no!" Gritava apontando para a cama onde o menino dormia. "Prendam-no!"
Não houve gesto nenhum nsse instante.
A voz do terrível tirano congelou a todos.
Apenas um lorde teve coragem para adiantar-se e dizer com dignidade "Magestade, o pequeno é totalmente inocente!"
"Inocente?" Gritou o rei e teve outro curto-circuito.
"Pulverizem esse traidor!" Ordenou. E o lorde foi imediatamente desintegrado. Emais ninguém quis se pronunciar. Nem mesmo um bip se ouvia.
E só porque reinava um silêncio ensurdecedor pelo salão. A voz da rainhafoi ouvida: "Por Deus, façam silêncio!", disse. "Não estão vendo que ele está dormindo? Vão acabar acordando o pobrezinho."
Há tanto tempo a meiga borboletóide não presenteava seus súditos com a doce melodia de sua voz que houve quem chorasse de felicidade. Mas, o imperador não estava para sentimentalismos. "Calem-se!" Berrou "Arranquem seu coração agora!".
"Mas o coração da rainha já é vosso, majestade. Ela é vossa noiva!" Disse o Duque Dragão que foi em seguida também desintegrado.
E houve grande tumulto porque o memdonho rei ameaçava agora rasgar o céu e inundar o mundo.
"Idiotas! É o coração do menino que eu quero", gritou. "E quero agora!"
Nesse instante o menino agitou-se um pouco e virou de lado.
"Estão vendo"? Suspirou a frágil rainha, "O pobrezinho vai acabar acordando. Será que voces não entendem? Se ele acordar estaremos todos condenados ao desaparecimento".
Vocês ouviram?" Façam silêncio portanto". Ordenou o rei "Arranquem o coração dele mas sem o acordar!".
A rainha deu um passo em direção ao trono. "Mas majestade, já estava tudo acertado. Eu me caso,mas não se toca no menino".
"Isso foi antes. Agora decidi ter as duas coisas". Anunciou o rei e soltou uma gargalhada tão alta que trincou todos os cristais.
E o rei teve um ataque de choro. "De que me adianta uma companheira se não tenho um coração?"
As lágrimas do rei eram gotas de óleo diesel.
"Eu quero um coração e uma alma!" Ele berrava. "Tirem o coração e a alma dessa criança. Serão meus presentes de casamento".
E como ninguém se mexia, o imperador agitou seu tentáculo de ferro. "Meu senhor, disse a rainha, "reconsidere". Lembre-se que toda vida é sagrada".
"Eu não considero nada. Quero o coração e a alma dele, e queroagora!".
O grito ressou como um trovão, mas ninguém se mexia. E então o monstruoso imperador avançou para o local onde o menino dormia um sono agitado, tão agitado que ressonava alto.
A frágil rainha quis impedi-lo, mas foi afastada com um safanão.
O rei estava agora sobre a cama "já que ninguém tem coragem eu mesmo mato".
Anunciou gargalhando trovoadas: "Agora nada poderá me impedir!" Ergueu o braço cuja ponta era um enorme turquesa "Ninguém, ninguém vai me deter!"
O braço domalévolo imperador subiu até as nuvens e desceu no exato momento em que omenino acordou com um grito.
O quarto era outra vez o seu quarto! Pequeno mas confortável! Não havia vestígio de salão de baile ou da grande nave espacial ou dolunático imperador Guindásticus e sua rainha.
Apenas o coração domenino batia sobressaltado. O livro que eletinha lido antes de dormir estava ali na cabeceira da cama.
"A BORBOLETINHA QUE CASOU COM O SENHOR DAS GALÁXIAS".
Ligou a televisão mas estava passando um daqueles filmes de vampiro. Teve medo e desligou.
Era melhor deitar e tentar dormir.
Para além do pequeno quadrado da janela a noite brilhava suas estrelas e no porto (à distância) a sombra de um velho guindaste parecia um dinossauro adormecido.
O menino não demorou a pegar no sono.
Só pela manhã talvez ele encontrasse esquecido ali junto ao pé da cama o cetro "real".
Alvarito Mendes Filho